Nem à fazenda Boa Vista, em Campos, Nhanhã tem ido mais. Às voltas com a política, Pinheiro Machado só consegue fazer uma visita anual à propriedade no Rio Grande do Sul. Por isso, adquiriu no interior fluminense uma área de terras em que passa alguns dias, refletindo sobre a República ou atenuando a saudade do pampa; criando umas poucas vacas leiteiras e muitos cavalos, inclusive os que lhe têm sido ofertado por líderes nacionais e estrangeiros em homenagens por suas relações políticas e empresariais. Ao refletir sobre tudo isso, ela se conclui responsável pelo abandono a que relegou o marido, mesmo sem se dar conta.
Mas não é mulher de choradeiras. Reage, levantando de súbito da poltrona de couro em que há pouco sonhava. “Vou propor a Pinheiro Machado uma viagem a Campos, tão logo a política lhe dê alguma folga”, decide. E em seguida, dispõe-se a vencer as resistências e acompanhar o marido ao Sul, entre o fim deste ano e o começo de 1916. “Trem ou navio?” – divide-se ela, logo, porém, readquirindo a consciência de que essa é uma decisão que não lhe cabe. “O que ele resolver, estará resolvido”.
Um agradável torpor substitui a angústia que até então a atingia. Nhanhã sai lentamente do ambiente em que os familiares ainda se encontram, atravessa o longo corredor que distribui as peças da enorme residência, comunica a uma das empregadas que subirá ao quarto, para uma rápida sesta. À cama, afasta a colcha branca de crochê, acomoda dois travesseiros de pena de ganso e coloca em meio a eles a cabeça, os olhos já semicerrados aguardando o sono reparador que não se faz demorar.
O Senado, o Catete, Petrópolis, trem, vapor, pai, mãe, sogros, crianças, campo, serra, pampa. Ela, ele, jovens, esbeltos, cobiçados. Casamento, viagem, São Luiz das Missões, eleições, Julio de Castilhos, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Tijuca, Deodoro, Floriano, Ruy Barbosa, Flores da Cunha, Borges de Medeiros. Risos, choros, sobressaltos. Abraços, beijos, discussões. Submissão.
O Morro da Graça.
Enquanto as imagens ilustram o sono de Nhanhã, a vida no Morro da Graça segue o curso normal, com a criadagem preparando o que a família e os convidados consumirão no jantar, depois nos encontros políticos da sala de jogos e finalmente nas partidas de bilhar e de víspora madrugada afora. A rotina da casa é sempre marcada por essa efervescência, os empregados já se acostumaram às folgas em rodízio para que todo dia e toda noite haja uma equipe à disposição do casal.
SOBRE O AUTOR
Luiz Antônio Nikão Duarte (Porto Alegre, 1953) é formado pela PUCRS (graduação/1977, especialização, 1982 e doutorado/2012), ESPM (MBA/2002) e UFRGS (mestrado/2007).
Exerce o Jornalismo desde 1975, com passagens pelos grupos DiárioS e Emissoras Associados, Caldas Júnior, Jaime Câmara, RBS, O Estado de S. Paulo, Sistema Jornal do Brasil; pelos Governo Federal e do Rio Grande do Sul; e ainda pelo Congresso Nacional, pela Associação Nacional de Jornais, pela Federação das Indústrias (FIERGS) e pela PUCRS.
Professor (UnB e Uniceub, na década de 1990 e da Unisinos, na atualidade). Participou da antologia Contos de Oficina 21 (Porto Alegre: Edipuc, 1998) e escreveu os livros Redação em RP (São Leopoldo: Unisinos, 2012) e A guerra de Cacimbinhas (Porto Alegre: ComEfeito, 2015).
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