Quando o dia amanhece, o presidiário recebe o café que o carcereiro coloca sobre o postigo da cela. Sempre vigiado, dormindo algumas horas, recusando qualquer alimentação que não seja café, tem a aparência abatida por pronunciadas olheiras e a barba mais crescida. Mantém a mesma roupa com que foi preso.
Manço tem consciência do que o espera, entende que a vida acabou para ele aos trinta anos de idade, lamenta pelo estigma que está impondo aos familiares, mas não demonstra qualquer arrependimento.
Está seguro de que cometeu um crime político, em favor do Brasil. E só esboça alguma inconformidade quando faz, e tem rejeitado, o pedido para receber os jornais do dia, em que divide o protagonismo dos acontecimentos com a sua vítima.
Todos os jornais da capital brasileira estampam o crime da véspera. Da capa às páginas internas há unanimidade na condenação ao assassinato, mesmo na imprensa que sempre fez oposição à linha política representada pela liderança de Pinheiro Machado. As notícias ainda expõem a perplexidade com os acontecimentos e tentam identificar o assassino além do que apurou a polícia.
“Facínora, sicário, covarde, miserável”. Os adjetivos acentuam a personalidade do criminoso, numa investigação jornalística ainda precária e incompleta, mas que alinha suspeitas de conspiração e de negligência governamental – já que o presidente Wenceslau Braz sempre se sentiu incomodado com o poder paralelo exercido historicamente pelo senador Pinheiro Machado.
As notícias revelam que duas punhaladas foram desferidas por Manço Paiva, a primeira pelas costas, atingindo a artéria pulmonar e, portanto, fatal; e a segunda sobre o ombro esquerdo, pouco profunda. Também informam sobre a pensão em que vivia o assassino: “Infecta como muitas que por ali existem (...) avultando em número as mulheres que parecem não ser de vida muito honesta”. No quarto até então alugado por ele, “apenas havia um colchão, uma mesa e nenhuma roupa”.
Testemunhas ouvidas pelos repórteres dizem ter visto Manço Paiva nos últimos meetings realizados no Largo de São Francisco de Paula, e, por vezes, parado nas imediações do Palácio dos Arcos, sede do Senado. O guarda civil Carlos de Oliveira Pimenta, um dos que o prenderam, conta que ele era conhecido como alguém que frequentava o Largo do Machado. Segundo o policial, Manço declarou-se satisfeito em cumprir um voto que há muito fizera a si próprio.
Os jornais dizem que Manço deixou-se fotografar sem resistência e que seu maior temor é o que lhe poderá acontecer na Casa de Detenção, para onde não deseja ir, porque o diretor, Meira Lima, era amigo particular de Pinheiro Machado.
A polícia também tem em mãos um cartão postal enviado a Manço Paiva aos cuidados do Sexto Distrito. “Ao grande patriota que exterminou o cancro. Salve!!! Queira aceitar as felicitações do Brasil inteiro. Que o Brasil te erga uma estátua! Assinado: os brasileiros. Rio, oito de setembro de 1915 – salve!!!” .
SOBRE O AUTOR
Manço tem consciência do que o espera, entende que a vida acabou para ele aos trinta anos de idade, lamenta pelo estigma que está impondo aos familiares, mas não demonstra qualquer arrependimento.
Está seguro de que cometeu um crime político, em favor do Brasil. E só esboça alguma inconformidade quando faz, e tem rejeitado, o pedido para receber os jornais do dia, em que divide o protagonismo dos acontecimentos com a sua vítima.
Todos os jornais da capital brasileira estampam o crime da véspera. Da capa às páginas internas há unanimidade na condenação ao assassinato, mesmo na imprensa que sempre fez oposição à linha política representada pela liderança de Pinheiro Machado. As notícias ainda expõem a perplexidade com os acontecimentos e tentam identificar o assassino além do que apurou a polícia.
“Facínora, sicário, covarde, miserável”. Os adjetivos acentuam a personalidade do criminoso, numa investigação jornalística ainda precária e incompleta, mas que alinha suspeitas de conspiração e de negligência governamental – já que o presidente Wenceslau Braz sempre se sentiu incomodado com o poder paralelo exercido historicamente pelo senador Pinheiro Machado.
As notícias revelam que duas punhaladas foram desferidas por Manço Paiva, a primeira pelas costas, atingindo a artéria pulmonar e, portanto, fatal; e a segunda sobre o ombro esquerdo, pouco profunda. Também informam sobre a pensão em que vivia o assassino: “Infecta como muitas que por ali existem (...) avultando em número as mulheres que parecem não ser de vida muito honesta”. No quarto até então alugado por ele, “apenas havia um colchão, uma mesa e nenhuma roupa”.
Testemunhas ouvidas pelos repórteres dizem ter visto Manço Paiva nos últimos meetings realizados no Largo de São Francisco de Paula, e, por vezes, parado nas imediações do Palácio dos Arcos, sede do Senado. O guarda civil Carlos de Oliveira Pimenta, um dos que o prenderam, conta que ele era conhecido como alguém que frequentava o Largo do Machado. Segundo o policial, Manço declarou-se satisfeito em cumprir um voto que há muito fizera a si próprio.
Os jornais dizem que Manço deixou-se fotografar sem resistência e que seu maior temor é o que lhe poderá acontecer na Casa de Detenção, para onde não deseja ir, porque o diretor, Meira Lima, era amigo particular de Pinheiro Machado.
A polícia também tem em mãos um cartão postal enviado a Manço Paiva aos cuidados do Sexto Distrito. “Ao grande patriota que exterminou o cancro. Salve!!! Queira aceitar as felicitações do Brasil inteiro. Que o Brasil te erga uma estátua! Assinado: os brasileiros. Rio, oito de setembro de 1915 – salve!!!” .
SOBRE O AUTOR
Luiz Antônio Nikão Duarte (Porto Alegre, 1953) é formado pela PUCRS (graduação/1977, especialização, 1982 e doutorado/2012), ESPM (MBA/2002) e UFRGS (mestrado/2007).
Exerce o Jornalismo desde 1975, com passagens pelos grupos DiárioS e Emissoras Associados, Caldas Júnior, Jaime Câmara, RBS, O Estado de S. Paulo, Sistema Jornal do Brasil; pelos Governo Federal e do Rio Grande do Sul; e ainda pelo Congresso Nacional, pela Associação Nacional de Jornais, pela Federação das Indústrias (FIERGS) e pela PUCRS.
Professor (UnB e Uniceub, na década de 1990 e da Unisinos, na atualidade). Participou da antologia Contos de Oficina 21 (Porto Alegre: Edipuc, 1998) e escreveu os livros Redação em RP (São Leopoldo: Unisinos, 2012) e A guerra de Cacimbinhas (Porto Alegre: ComEfeito, 2015).
Clique aqui para acompanhar o livro A GUERRA DE CACIMBINHAS.
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