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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

A Guerra de Cacimbinhas - Porto Alegre, A reverência


O inverno ameniza-se como que em antecipação à primavera, e o dia em que a capital sulina está por receber o corpo de um dos mais ilustres filhos gaúchos amanhece radiante. 

Um repórter de A Federação comenta com o colega do Correio do Povo a magna significação do imponente momento que se avizinha com a aproximação de Javary ao porto. Por toda a cidade ouvem-se os sinos que, das torres da modesta catedral, desferem as notas fúnebres e dão o tom do dia, feito feriado pelas autoridades do Estado e do Município. 

A multidão aguarda em reserva que o vapor desponte no horizonte e o cerimonial se inicie. Toda a região central de Porto Alegre está envolvida no funeral. Nas fachadas dos edifícios públicos, a meio mastro, flutuam ao sabor da brisa as bandeiras coloridas do Brasil e do Rio Grande do Sul. 

Da Praça da Matriz à Praça da Alfândega, panos pretos caem das janelas residenciais, reverenciando o senador falecido. Nas ruas, populares se acotovelam em busca de um lugar privilegiado que lhes permita assistir à passagem do cortejo. 

Em passo cadenciado, representações militares acompanham o som dos tambores e o toque dos clarins. Diversas bandas põem-se em lugares previamente indicados, em continência ao cortejo que se inicia desde o cais. 

Enquanto as autoridades se postam, esperando o desembarque, um esquadrão de lanceiros da Brigada Militar divide-se em dois pelotões, em meio aos quais se coloca uma companhia de guerra do Ginásio Júlio de Castilhos e, a acompanhá-los, a banda de música do Instituto Técnico Profissional da Escola de Engenharia. Frente ao imponente edifício dos Correios e Telégrafos, outra companhia de guerra, do Colégio Militar. 

O décimo regimento de infantaria do Exército, o primeiro e o terceiro batalhões da Brigada Militar completam o cenário. Os generais Ildefonso Pires de Moraes Castro, Carlos Frederico de Mesquita e Bello Brandão são os primeiros a postar-se frente espaço designado para o navio atracar. São imediatamente seguidos pelo general Gabino Bezouro, comandante da sétima região, e pelo chefe do Estado-Maior, coronel Marcos Guimarães. 

O general Salvador Pinheiro Machado, seu secretário Firmino Paim, seu oficial de gabinete Zeferino Ribeiro e seu ajudante de ordens tenente Ayres de Vasconcellos desembarcam do laudalet todo forrado de preto e ornamentado com laços de crepe. Não são bem dez horas quando o Javary surge a meia distância, aproximando-se lentamente. 

A guarda de honra da embarcação inicia a marcha fúnebre, acentuando a emoção da multidão que busca acercar-se do cais. Minutos depois o vapor atraca, ainda sob o som triste, agora acompanhado pelas bandas em terra. Familiares do falecido, com o general Salvador Pinheiro Machado à frente, dirigem-se à câmara ardente da embarcação, sob visível emoção. São a seguir imitados pelas autoridades presentes. Populares que tentam ingressar no vapor são contidos pela Guarda Municipal. 

O desembarque do corpo contém os ânimos que ameaçavam se exaltar. Colocado sobre um banco de madeira, o caixão é suspenso e a seguir descido à terra com auxílio de um guindaste. Depois, é levado para a carreta que o conduz por 200 metros até a Intendência, com as autoridades postadas em cada lado do veículo. 

Os soldados da Brigada Militar seguem o cortejo conduzido pelo cura Manoel Reis da Costa Nunes, da Catedral Metropolitana, por sua vez auxiliado por dois meninos carregando círios. Atrás, constitui espontaneamente um pelotão o pessoal da gerência, redação e oficinas de A Federação, conduzindo em um andor uma coroa de flores naturais. Logo após, a Guarda de Honra que havia acompanhado o cortejo marítimo e fluvial, desde Rio Grande. 

O préstito, puxado por um esquadrão da cavalaria da Brigada Militar, movimenta-se assim em ordem, dirigindo-se pela esquerda do edifício dos Correios e Telégrafos, a Praça da Alfândega e a Avenida Sete de Setembro, por onde chega ao largo da Intendência Municipal, também este tomado pela multidão comovida. Sob o assédio dos populares que buscam ao menos tocar no caixão, o corpo de Pinheiro Machado é introduzido no salão em que o secretário particular Othelo Rosa e o capitão Lourenço Galant representam o presidente Borges de Medeiros, ainda sob licença médica. 

O assistente capitão Octavio Rocha, o arcebispo Dom João Becker e o intendente José Montaury completam o grupo receptivo que iniciará o velório. Pelas horas seguintes, o acesso à câmara ardente é liberado ao povo. 

Cada visitante demora-se alguns segundos sobre o tampo de vidro do caixão, que deixa à mostra apenas o rosto do corpo embalsamado de Pinheiro Machado. Aos que tentam prolongar a oração, recatados funcionários municipais pedem que sejam rápidos, porque há milhares esperando para fazer o mesmo.   

SOBRE O AUTOR  
Luiz Antônio Nikão Duarte (Porto Alegre, 1953) é formado pela PUCRS (graduação/1977, especialização, 1982 e doutorado/2012), ESPM (MBA/2002) e UFRGS (mestrado/2007). 

Exerce o Jornalismo desde 1975, com passagens pelos grupos DiárioS e Emissoras Associados, Caldas Júnior, Jaime Câmara, RBS, O Estado de S. Paulo, Sistema Jornal do Brasil; pelos Governo Federal e do Rio Grande do Sul; e ainda pelo Congresso Nacional, pela Associação Nacional de Jornais, pela Federação das Indústrias (FIERGS) e pela PUCRS. 

Professor (UnB e Uniceub, na década de 1990 e da Unisinos, na atualidade). Participou da antologia Contos de Oficina 21 (Porto Alegre: Edipuc, 1998) e escreveu os livros Redação em RP (São Leopoldo: Unisinos, 2012) e A guerra de Cacimbinhas (Porto Alegre: ComEfeito, 2015).

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