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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Criação de ovelhas junto a olivais cresce no Rio Grande do Sul

Consórcio entre a criação de ovinos e a produção de frutas e azeite está sendo experimentado em propriedades gaúchas e vem demonstrando potencial para deslanchar 

Duas atividades econômicas, uma recente e outra consolidada há bastante tempo nos campos gaúchos, começam a interagir no Rio Grande do Sul: a olivicultura e a ovinocultura. A integração ainda é tímida, mas seu potencial é tido como grande. As diversas vantagens apontadas pelos produtores que já experimentam este sistema levam a crer que a “parceria” irá deslanchar em pouco tempo, na medida em que os olivais entrarem na fase “adulta”. 

Alguns projetos já conseguiram harmonizar a recente plantação das oliveiras com a tradicional criação de ovelhas. Há também vários produtores de olho nestas experiências, aguardando resultados mais concretos, para embarcar no mesmo negócio. Pesquisas em andamento e a observação em campo começam a indicar o melhor manejo para tirar das duas atividades o melhor rendimento. 

A aposta nesta integração se dá por diversos motivos. A relação é de ganha-ganha, acreditam os envolvidos. Os ovinos se beneficiam do conforto da sombra das oliveiras e pastam nesta área mais “protegida” sem compactar o solo. Em contrapartida, geram esterco (adubação) para o olival e fazem roçada natural da área. Sendo assim, é dispensado o uso de máquinas e combustível para a limpeza do olival. A roçada natural também substitui a aplicação de herbicidas, gerando economia. De uma mesma área, o produtor consegue extrair a azeitona, o azeite de oliva, a lã e a carne. 

O presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), Eudes Marchetti, vê com entusiasmo esta parceria entre as culturas. “Ao mesmo tempo em que há redução de custos de produção, com menos interferência de agrotóxico e menos horas de uso de máquinas, há aumento de renda”, avalia. “É um consórcio muito saudável. Se ganha na qualidade das azeitonas e na engorda desses animais”, acrescenta. 

Para o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), Paulo Schwab, o sistema de produção é “muito interessante” do ponto de vista econômico, especialmente para as pequenas propriedades. “Uma atividade não atrapalha a outra e permite ao produtor ter renda ao longo de todo o ano”, afirma. Schwab considera ainda que este consórcio poderá ser um impulso para o aumento do plantel de ovinos no Estado, que vem caindo nas últimas décadas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o efetivo do rebanho do Rio Grande do Sul recuou de 11,2 milhões de cabeças em 1980 para 3,4 milhões em 2017. 

No entanto, a integração das duas culturas não está cem por cento chancelada. Ainda é grande o campo a ser explorado pela pesquisa. Há alguns problemas que precisam ser minimizados para um convívio sem danos aos animais e às plantas. Experimentos dos produtores apontam que quando o olival é jovem aumentam as chances de ataque dos ovinos às árvores, que ainda são pequenas, têm a copa muito baixa e tronco “macio”. 

Em função disso, o agrônomo Vinicius Brignol Leite, que trabalha na Estância Guarda Velha, produtora do Azeite Batalha, em Pinheiro Machado, diz que o segredo é acertar na escolha da raça que será integrada ao olival. Ele recomenda também que o produtor comece a fazer este consórcio a partir do quarto ano de implantação das oliveiras, quando o tamanho das plantas impõe dificuldades para os animais comerem as folhas. Outra recomendação é que o produtor não deixe faltar pasto embaixo do pomar. O pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Enilton Coutinho, ressalta, ainda, que é importante haver um pastor responsável por vigiar o rebanho e um rodízio nas áreas que disponibilizam pastagem e gramíneas. 

Para eliminar a possibilidade de ataque ao olival, empresas privadas em parceria com olivicultores têm desenvolvido um equipamento – uma espécie de “focinheira” – para as ovelhas. Segundo Marchetti, este trabalho ainda está em fase de testes, mas os resultados obtidos até o momento indicam que será uma alternativa viável. Ao mesmo tempo em que impede o ataque à planta, a focinheira não prejudica a alimentação do animal. “Estamos acompanhando o comportamento e a pesagem dos ovinos que estão usando o equipamento e até o momento não houve nenhuma influência negativa”, revela. Marchetti comenta que, uma vez consolidados os dados destes testes, o Ibraoliva recomendará o uso da “focinheira” e a integração das culturas. A previsão de lançamento desta tecnologia é ainda para este semestre.

O veterinário Renato Pulz, que ministra aulas de Ética e Bem-Estar Animal na Ulbra, diz que desconhece a “focinheira”, mas defende estudos detalhados sobre a inserção de equipamentos como este. “Vale lembrar que os ovinos, por características da espécie, não demonstram facilmente sua dor, desconforto e estresse, podendo os sintomas serem subestimados”, alerta. 


Convívio adequado no quarto ano 
Na Estância Guarda Velha, produtora do Azeite Batalha, em Pinheiro Machado, os olivais começaram a ser implantados em 2010, em uma área de coxilha que era usada para a criação de ovinos. Para isso, na época, foi necessário reduzir o rebanho. Três anos depois, em 2013, começou a experimentação do consórcio reunindo as duas atividades. No início, o convívio não foi muito pacífico. O agrônomo responsável, Vinicius Brignol Leite, conta que, num primeiro momento, houve uma tentativa de integração utilizando-se a raça de ovinos Highlander. “Mas elas tinham um temperamento mais agitado e comiam a casca das árvores e as folhas”, lembra.

Para viabilizar o sistema de produção, decidiu-se então substituir a raça. Alguns testes depois, a estância conseguiu acertar o manejo com a Corriedale e a Ideal. “Como a Batalha prefere a produção de carne do que de lã, se optou por criar Corriedale embaixo do olival”, pontua Leite. O agrônomo explica que, além de acertar na escolha de uma raça de temperamento mais dócil, o produtor precisa aguardar pelo menos até o quarto ano do pomar para introduzir o rebanho na mesma área. Leite afirma que o produtor pode aproveitar os três primeiros anos para fazer melhoramento do solo, utilizando forragem de boa qualidade. “Neste período, fazemos feno e silagem para obter renda e ajudar no custeio do olival”, ensina. Depois, no quarto ano, a área estará mais fértil e preparada com pastagens para a entrada dos animais. 

Atualmente, na Guarda Velha, já há 400 hectares plantados com oliveiras. Em 150, circulam 1 mil ovinos, em sistema de rodízio. Quando começa a faltar pasto em uma área, os animais são transferidos para outra. Uma das principais vantagens desta parceria, na opinião de Leite, é a economia de combustível e horas-máquina. As ovelhas praticamente eliminam a necessidade de roçadas mecanizadas. 

Avanços em alta velocidade 
Enquanto os produtores vão acertando o manejo para trabalhar com oliveiras e ovinos em um sistema de integração, os pomares vão se alastrando no Rio Grande do Sul e dando respostas positivas quanto à produção. A aptidão dos campos gaúchos para a olivicultura começou a despertar o interesse dos produtores e ganhar escala comercial há 10 anos. Apesar de novatas, há marcas de azeites de oliva extravirgem gaúchas que colecionam premiações em concursos de destaque mundial. O presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), Eudes Marchetti, diz que o tamanho dos olivais cresce todos os anos. Na atual safra, o Estado conta com 5 mil hectares de oliveiras plantados. O cadastro olivícola feito pela Secretaria da Agricultura em 2017 mostrou que, naquele ano, os principais municípios produtores eram Canguçu, Encruzilhada do Sul, Pinheiro Machado, Cachoeira do Sul, Sant’Ana do Livramento, Bagé, Caçapava do Sul e Barra do Ribeiro. Segundo o coordenador da Câmara Setorial da Olivicultura da Secretaria da Agricultura, Paulo Lipp João, há mais 200 produtores em mais de 70 municípios gaúchos. 

No restante do país, especialmente Minas Gerais e São Paulo, o cultivo ocupa outros 4 mil hectares. Marchetti acredita que a cultura alcançará 30 mil hectares no Brasil até 2025. Na safra de 2018/2019, que será a maior da década, a produção nacional deve ultrapassar os 200 mil litros de azeite de oliva, sendo 150 mil provenientes do Rio Grande do Sul. Na comparação com o ciclo passado, a produção irá dobrar, já que novos pomares tornaram-se produtivos. 

Este volume representa apenas 0,3% do consumo nacional, segundo o Ibraoliva. “Temos um enorme potencial para explorar”, projeta o presidente da entidade. Com boa visibilidade, os azeites gaúchos saem em vantagem na relação com os importados por chegarem bastante frescos às prateleiras dos mercados e lojas especializadas. Segundo Marchetti, em uma semana é possível colher e processar as azeitonas, embalar o produto e distribuir. “Diferentemente do vinho, quanto mais jovem o azeite for consumido, melhor”, indica. 

A colheita desta safra no RS começa neste mês. A Abertura Oficial da Colheita da Oliva ocorre em 15 de março, na propriedade de Arno Werlang, em Formigueiro.

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