A Guerra de Cacimbinhas - Rio de Janeiro, O poderoso – Parte 1 - DiCacimbinhas

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quinta-feira, 21 de maio de 2020

A Guerra de Cacimbinhas - Rio de Janeiro, O poderoso – Parte 1

– O belo desfile de comemoração do aniversário da Independência foi mais uma manifestação da importância da República para o Brasil – diz o senador José Gomes Pinheiro Machado à mulher, a ainda bela Brasiliana Benedicta, ao sentar-se à mesa de refeições de sua moradia, no Morro da Graça.

– Você discursou? 
– Felizmente não, porque esses discursos são muito maçantes e infernizam a vida do público, no olho do sol. 
– Mas nem está tão quente – observa a mulher, sentada à esquerda da cabeceira ocupada pelo senador. 

A ampla mesa que costuma receber 30 convidados hoje está ocupada apenas pelo casal. Até os sobrinhos e os afilhados que – à falta dos filhos que não tiveram - residem com eles aproveitam o feriado fora de casa, alguns viajando para Petrópolis, outros passando o dia na praia do Flamengo. 

A paulista Brasiliana e Pinheiro Machado dividem, quase em silêncio, trinta e seis anos de cumplicidade. Nesse período, viveram em São Luiz das Missões, para onde foram tão logo ele formou-se advogado, iniciando pelo Conselho de Representantes local, ainda no Império, uma carreira política que, por insistência do amigo Júlio de Castilhos, deslanchou na República, levando-o ao Senado e ao Rio de Janeiro, já pelo quarto mandato consecutivo. 

– Você está preocupado com alguma coisa? – pergunta ela, notando a reserva do senador, normalmente falante. 
– Marquei para amanhã a confirmação em plenário da eleição do marechal Hermes como senador pelo Rio Grande do Sul, mas temo que não obtenha quorum. 
– Logo num dia posterior ao feriado?
– Mas não há o que o que justifique estender a toda a semana um feriado de uma terça-feira! De mais a mais, é preciso silenciar essa agitação que cerca a eleição do marechal, chega de meetings, de campanha da imprensa. O Rio Grande precisa fazer esse desagravo ao ex-presidente, tão atacado durante o seu governo, e mesmo agora. Lar dos Pinheiro Machado, o Morro da Graça, na Rua Guanabara, é a sede informal do poder. 

Não há divergência a essa ideia generalizada entre os meios políticos, embora muitos – talvez a maioria – torçam o nariz para essa constatação, inconformados com a influência de seu proprietário, vice-presidente do Senado. 

Nhanhã, como o senador apelidou a mulher desde que a conheceu, governa a casa, poupando o marido de mais essas responsabilidades. Por vezes, parece-lhe dirigir um clube, não uma residência, tal o entra-e-sai de pessoas que marca a rotina da família. Como o casal é afeito às noites prolongadas, divididas com convidados nos salões de bilhar e de jogos de cartas, a metade das manhãs seguintes é ainda dedicada ao sono. Pinheiro Machado faz política em tempo integral, mesmo quando em casa. Sua mulher o auxilia, administrando o lar de forma a que sempre seja possível um jantar inesperado, um encontro fora de hora, uma hospedagem temporária. 

Foi por isso que se mudaram do bairro Tijuca para o de Laranjeiras. A casa anterior, da Rua Haddock Lobo, já não comportava as novas atribuições do político gaúcho, que nos seus quatro mandatos ascendeu à governança informal do Brasil, auxiliando os presidentes da República ou tornando-os reféns de sua liderança, em casos de resistência como o que sucede agora, com Wenceslau Braz, sucessor do marechal Hermes da Fonseca. O Morro da Graça foi uma escolha pessoal de Nhanhã, por atender, segundo ela, as exigências de espaço e localização – repleta de quartos, salas, despensas e acomodações para os criados; e bastante próxima do Catete e do Palácio dos Arcos, a sede do Senado. 

A princípio julgando exagerados – e caros - os cuidados da mulher com a escolha da nova residência, o senador foi, aos poucos, convencendo-se do seu acerto. Ocupando meia quadra do acidentado terreno em que foi erguida, a residência está cercada por grades que lhe dão mais privacidade, e o amplo pátio guarnecido por portões igualmente de ferro passou a funcionar como estacionamento dos automóveis em que chegam deputados, senadores, ministros, presidentes de Estado, embaixadores, o que exigiu até a construção de uma sala para os choferes.


SOBRE O AUTOR 
Luiz Antônio Nikão Duarte (Porto Alegre, 1953) é formado pela PUCRS (graduação/1977, especialização, 1982 e doutorado/2012), ESPM (MBA/2002) e UFRGS (mestrado/2007). 

Exerce o Jornalismo desde 1975, com passagens pelos grupos DiárioS e Emissoras Associados, Caldas Júnior, Jaime Câmara, RBS, O Estado de S. Paulo, Sistema Jornal do Brasil; pelos Governo Federal e do Rio Grande do Sul; e ainda pelo Congresso Nacional, pela Associação Nacional de Jornais, pela Federação das Indústrias (FIERGS) e pela PUCRS. 

Professor (UnB e Uniceub, na década de 1990 e da Unisinos, na atualidade). Participou da antologia Contos de Oficina 21 (Porto Alegre: Edipuc, 1998) e escreveu os livros Redação em RP (São Leopoldo: Unisinos, 2012) e A guerra de Cacimbinhas (Porto Alegre: ComEfeito, 2015).

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