A Guerra de Cacimbinhas - Rio de Janeiro, O pesadelo - DiCacimbinhas

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terça-feira, 28 de julho de 2020

A Guerra de Cacimbinhas - Rio de Janeiro, O pesadelo


A sesta de Nhanhã se prolonga além do normal. Passam das cinco da tarde e não há sinal de reação no quarto do casal, quando um nervoso buzinar insiste em frente à mansão, denunciando alguém que deseja entrar de carro no pátio. É o motorista de Pinheiro Machado. Ele desce do carro - antes que lhe abram o portão - esbaforido, perturbado, as palavras a saírem-lhe da boca em profusão, ininteligíveis. 

– Calma homem! Fale uma coisa de cada vez. O que aconteceu no Hotel dos Estrangeiros? – questiona a doméstica. 
– Mataram o senador! 
– Que senador?

– O senador Pinheiro Machado foi esfaqueado por um sicário, eu mesmo persegui o bandido pelo Largo do Machado e só não liquidei com ele porque a Polícia me impediu. 

O diálogo, já na cozinha da residência, é interrompido porque os dois empregados avistam, à porta, Nhanhã perplexa com o que acaba de ouvir. Ela nada pergunta, porque nada será mais importante do que a notícia que lhe traz o motorista. Procura apoio e senta-se na cadeira que lhe oferece outra empregada. Um copo d’água com açúcar, o olhar fixo, as lágrimas descendo pelo lado direito do rosto. Por mais que a normalidade da vida lhe indicasse que um dia ficaria viúva, por mais que o próprio José Gomes lhe falasse que poderia ser vítima de um atentado, ela se vê, agora, ali, prostrada, despreparada para tal perda. 



Nhanhã ainda traja o mesmo costume cor de rosa com que almoçou e jogou-se à cama depois do licor. A cor de sua predileção, que praticamente domina todo seu vestuário, lhe parece agora despudorada, por indicar alegria numa hora de profunda tristeza como a que experimenta. Afasta-se da cozinha, dirige-se novamente ao quarto, de onde retorna vinte minutos depois, o preto a dominar-lhe a vestimenta. 

– Leve-me até ele, por favor. 

O motorista não ousa contrariar a patroa, embora devesse advertir-lhe de que o corpo será trazido para o Morro da Graça tão logo possível. 

Nhanhã desembarca do buick preto à entrada do Hotel dos Estrangeiros. A multidão que se aglomera em frente ao prédio deduz ser a viúva que se dirige ao saguão e respeitosamente lhe abre espaço até onde se encontram as autoridades e o corpo inerte de José Gomes Pinheiro Machado. 

SOBRE O AUTOR  
Luiz Antônio Nikão Duarte (Porto Alegre, 1953) é formado pela PUCRS (graduação/1977, especialização, 1982 e doutorado/2012), ESPM (MBA/2002) e UFRGS (mestrado/2007). 

Exerce o Jornalismo desde 1975, com passagens pelos grupos DiárioS e Emissoras Associados, Caldas Júnior, Jaime Câmara, RBS, O Estado de S. Paulo, Sistema Jornal do Brasil; pelos Governo Federal e do Rio Grande do Sul; e ainda pelo Congresso Nacional, pela Associação Nacional de Jornais, pela Federação das Indústrias (FIERGS) e pela PUCRS. 

Professor (UnB e Uniceub, na década de 1990 e da Unisinos, na atualidade). Participou da antologia Contos de Oficina 21 (Porto Alegre: Edipuc, 1998) e escreveu os livros Redação em RP (São Leopoldo: Unisinos, 2012) e A guerra de Cacimbinhas (Porto Alegre: ComEfeito, 2015).

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